quarta-feira, julho 04, 2007

E porque este é também um blog com alguma "cultura", fica aqui um texto escrito por moi memme para a disciplina de Cultura Visual ... só espero que não haja nenhum espertinho por aí que me faça do meu o "seu" trabalho de faculdade. LOL



Modernizing Vision

Quando hoje se fala em fotografia, no sentido lato da questão, torna-se perceptível para nós que o suporte resultante de inúmeros processos químicos e/ou digitais são tidos como um “impressão” de algo que vimos. Podemos então dizer que a fotografia, enquanto suporte real e físico, não passa de um testemunho de uma realidade à qual assistimos momentaneamente e que, por alguns processos mecânicos, ficou gravado em papel ou digitalmente. Não é por acaso que se diz que este elemento é considerado como uma boa forma de mais tarde recordarmos aquilo que foi experimentado num dado momento.

Ora, esta questão não se torna tão linear quando pensamos em séculos mais distantes. Importa realçar que a imagem nem sempre foi entendida como algo que fica para a posteridade, sendo que, na Idade Medieval a visão era posta num patamar ideológico e teológico, algo que apenas estava ao alcance de Deus. Era Ele que, enquanto ser omnipresente, via tudo. O poder da Visão pertencia apenas a alguns uma vez que este fenómeno representava uma importância incontornável na vida quotidiana de cada indivíduo. Não são raros os relatos da História que contam, numa tentativa de entender a “visão” como algo elitista e intimista, histórias, tradições e mesmo regras quanto ao uso do olhar perante, por exemplo, Reis e Rainhas ou outro tipo de líder. Era habitual, como exemplo, os súbditos do Reino não poderem olhar directamente para o seu regente, podendo mesmo ser, em muitos casos, em caso de não obediência a essa regra, torturados e mesmo mortos.
Assim, podemos perceber o quão importante tem sido a “visão” uma questão de interesse e fascínio ao longo dos séculos.

Hoje em dia, as máquinas ópticas ocupam lugares de destaque nas nossas vidas. É quase impossível vivermos sem imagens que nos contem algo da nossa vida e. No entanto, a fotografia enquanto suporte impresso, funciona não só como auxiliar mnésico de momentos passados, como também como um modo de conhecermos realidades que de outra forma não poderíamos conhecer.
Deste fenómeno surge um conceito que desde há muito tem vindo a ser estudado, a chamada persistência retiniana, conceito este que se baseia na capacidade de tornarmos aquilo que vemos em algo intemporal, ou seja, a capacidade de vermos por breves momentos determinado objecto ou situação e processarmos fisiologicamente essa informação através do olho, permitindo recordá-los posteriormente (mesmo sem a sua presença perante nós).

Jonathan Crary é um dos mais importantes estudiosos desta temática, tendo para isso desenvolvido e entendido questões que remontam a séculos algo distantes. Tenta de alguma forma buscar explicações acerca da imagem e da visão, utilizando para isso uma percepção e estudo da origem e do funcionamento das mesmas, não só a nível fisiológico (olho humano) como também a nível tecnológico (máquinas ópticas).
Numa primeira análise, Crary opta por dar ênfase ao facto de o Homem ser constituído por inúmeras estruturas que lhe possibilitam produzir experiências reais, ou seja, através do mecanismo natural do olho humano, o indivíduo percepciona (também com a ajuda dos seus sentidos), uma realidade que processa conjuntamente com outros factores, como por exemplo a sua disponibilidade para com o mundo que o rodeia. O background de vida inerente a cada um de nós delimita de certa forma a percepção que temos daquilo que vemos.
Inversamente àquilo que Crary e outros estudiosos da temática da “visão” organizam face ao natural e à percepção natural da imagem através do olho humano, surge a realidade vista através das máquinas ópticas que foram sendo desenvolvidas nos últimos séculos.
Façamos uma regressão aos séculos XVIII e XIX. É neste momento que começam a surgir as primeiras formas de percepcionar a imagem através de meios mecânicos, ainda que estas tenham surgido sobretudo para o entretenimento da população da altura.

A câmara obscura terá sido das invenções que mais contribuíram para a problemática da “visão”. Este objecto consistia num mecanismo automático que, com a ajuda imprescindível da luz, conseguia revelar imagens reais do mundo observado pela mesma, substituindo assim o olho humano quanto à sua percepção. Desta forma, não eram criadas novas imagens mas sim uma criação reprodutiva e fiel daquilo que era visto no momento e no local onde a câmara operava. Não se pretendia com ela criar novas formas de olhar as coisas ou sequer criar novas percepções nos espectadores, mas sim criar um intermediário mecânico que pudesse replicar objectos, situações do real, ainda que neste momento a função do olho humano estivesse de todo esquecida.

Processa-se então aquilo a que se pode chamar o Paradigma da Câmara Obscura, baseando a explicação desta máquina nas Leis da Natureza (sendo que a visão se torna algo mecânico e matemático); onde existe uma separação efectiva entre o sujeito interior e o exterior, questão que é fundamentada pelo facto de as representações da câmara obscura determinarem algo objectivo separado inevitavelmente do mundo exterior. Com o uso de mecanicismos deste tipo, a questão da subjectividade do mundo que nos rodeia torna-se inexistente, sobretudo devido ao facto da reprodução do mesmo ser de uma fidelidade extrema, onde não existe espaço para os protagonismo de um ser interior com opinião própria, algo que viria a mudar com o surgimento de uma disciplina que teria como objecto principal de estudo uma outra “máquina” óptica, o olho humano.

No século XIX torna-se mais forte a influência do corpo humano no que toca à percepção do mundo imagético. Esta vertente torna-se cada vez mais importante face ao estudo da imagem visto que a fisiologia do olho humano é estudado profundamente, dando respostas visionárias acerca da verdadeira função deste órgão relativamente à informação que recolhe do exterior. Uma das principais conclusões deste estudo é a compreensão da persistência retiniana, conceito que já havia sido descoberto na Antiguidade mas que, no século XIX ganha mais força graças à discussão da importância do olho humano na percepção da imagem. Crary aponta então para um conceito de afterimage, baseando-se na reprodução imagética processada pelo olho humano que fica gravada na memória do indivíduo.
Por um lado, o reconhecimento dos efeitos da persistência retiniana como fenómeno óptico conduziu à ruptura entre o processo de observação e elementos externos, no sentido em que mesmo na ausência desses elementos externos o processo de observação permanece operável. Este facto traduziu-se na autonomização da visão em relação a todo e qualquer factor externo e tornou-a apenas dependente do observador.

Assim, nota-se a importância fulcral do corpo do observador enquanto elemento fundamental na percepção daquilo que se vê. Se antes, com o surgimento das primeiras máquinas ópticas o olho humano desempenhava um papel independente e não influenciador em relação às imagens recebidas (a objectividade da reprodução da câmara obscura versus a subjectividade do olho humano), no século XIX a Fisiologia transforma a visão em algo dependente do processamento mecânico do globo ocular em conjunto com os sentidos estruturais do Homem. Aquilo que ele percepciona como imagem é, irremediavelmente, constituído na sua mente como um conjunto de símbolos moldados através de experiências vividas e apreendidas, descartando a dureza e solidez estática da imagem do mundo produzida pela câmara obscura.

No caso do uso da câmara obscura, o real distingue-se através da própria projecção da imagem, em contradição ao olho humano que vê o real como algo com o qual o indivíduo se identifica, fazendo o seu corpo um elemento de projecção de uma realidade construída a partir, não só da informação recolhida através da retina, como também a partir de experiências guardadas na sua mente.

Conclui-se então que existe uma continuidade quanto à estrutura e conceitos das máquinas ópticas. O real transparece de forma semelhante nos vários instrumentos de reprodução e captação de imagem, ainda que a sua percepção seja feita de forma diferente. Com efeito, importa notar que com o passar do tempo surgem novas e mais sofisticadas técnicas ópticas, sem no entanto mudarem muito relativamente à sua estrutura mecânica. Por outro lado, as formas de percepção sensorial dos indivíduos e o estatuto e conceito da imagem vão sofrendo alterações. Se há algum tempo atrás a questão incidia sobre o facto da visão operar imagens naturais ou mecânicas, actualmente tenta-se compreender sim, quais as diferenças dentro do mundo das imagens fruto de máquinas ópticas.

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